segunda-feira, 27 de maio de 2013

EL LIBERTADOR

Canção dedicada a Hugo Rafael Chávez Frías pela banda espanhola, SKA-P

«Entre miseria, hambre y desolación, en el fango alguien plantó
una flor
un tal Bolívar, le dicen El Libertador, El Libertador

Gritos de justicia, tierra y libertad vuelven a resonar en
Sudamérica
Ha comenzado una nueva revolución y esta vez avanza con convicción

Reforma agraria y justa redistribución, sanidad, cultura y
buena educación
respeto y dignidad al indígena, al indígena

Socializar y ¡¡NO A LA PRIVATIZACIÓN!!, mejoras laborales "pal"
trabajador
lo que la tierra ofrece es de la población, contra la oligarquía y el explotador

Una guerra de medios manipula la verdad
Enséñale los dientes a la cara al Tío Sam
sin dar un paso atrás.

ADELANTE COMANDANTE, PONTE AL FRENTE CON HONESTIDAD
COMIENZA A AMANECER EN LATINOAMÉRICA
PASO FIRME HACIA DELANTE, PISA FUERTE CON ROTUNDIDAD
CUANDO UN PUEBLO SE SABE ORGANIZAR
ES UN PUEBLO SABIO Y LIBRE

Oh oh oh oh! Lejos de la perfección
se avanza al caminar cuando se tiene ilusión

Una guerra de medios manipula la verdad...

ADELANTE COMANDANTE, PONTE AL FRENTE CON HONESTIDAD...

Oh oh oh oh! Aires de rebelión en Latinoamérica
Oh oh oh oh! Tiempo de transición en toda América

ADELANTE COMANDANTE, PONTE AL FRENTE, COMANDANTE
OH OH OH! DE LATINOAMÉRICA
PASO FIRME HACIA DELANTE, PISA FUERTE, COMANDANTE
OH OH OH! EN LATINOAMÉRICA»

LA NOTICIA DE LA SEMANA

Mais um texto de Carola Chávez.

«La noticia de la semana
Esta semana Iraq seguía ensangrentada por una guerra que se inventó con grandes titulares y que,10 años después, sigue matando en silencio. Mientras, en Siria, donde se cocina una nueva mortífera invasión humanitaria, fueron capturados 5 militares israelies junto a mercenarios disfrazados de rebeldes, que intentan derrocar al gobierno para entregar al país a la mano extranjera que los alimenta. A todas estas, “Nobel de la paz” Obama, calla y otorga el permiso para la alimentación forzosa de los rehenes que mantiene en el campo de concentración de Guantánamo, que se empeñan, quién sabe por qué, a hacer una huelga de hambre reclamando quién sabe qué. Y como una cosa lleva a la otra, Barack recuerda Afganistán y justifica el uso de drones para llevar la libertad a los afganos, liberándolos de la vida, convirtiéndolos en daños colaterales. Drones que cuestan un realero y tienen problemas presupuestarios, por lo que cerraron, esta misma semana, 50 escuelas en la ciudad de Chicago. Pero tranquilos, son escuelas en barrios de negros e hispanos, que, de todos modos, serán un día carne de cañón, digamos, daños colaterales internos. Eso, usted no lo vio en CNN, ni en el Washington Post. En Europa, El fantasma de franquismo recorre España desmontando a patadas el estado de bienestar que tan poquito les duró. 526 embargos hipotecarios al día, suicidios, daños colaterales de la avaricia financiera. Dos periodistas golpeados y detenidos por fotografiar protestas. Ojos que no ven... Saca España el pan de la boca del español hambriento y lo convierte apoyo a mercenarios en Siria… Otra vez Siria… Emigran, huyendo del 56% de desempleo, miles de jóvenes españoles a Londres, donde hay recortes, impuestos y xenofobia, pero también trabajo de ayudante de cocina. Y sus madres en un kiosco de Madrid, comentan la creciente pancita de la princesa inglesa en la portada ¡Hola|, revista de los ricos para un pueblo oprimido que todavía cree en cuentos de hadas. Junto a ¡Hola!, los periódicos del mundo, a modo de consuelo comparativo traído por los pelos, titulan en letrotas negras la noticia de la semana: Escasea el papel de baño en Venezuela. Suspira su alivio el mundo libre: Sin techo, sin trabajo, sin pan, pero, eso sí, con el culo limpio.»
FONTE: Como te iba contando

domingo, 26 de maio de 2013

O PRONTO-A-VESTIR ...

«... DA LUTA DE CLASSES
Martim Neves é um miúdo de 16 anos. Aos 15 anos, desenhava umas roupas e resolveu fazer-se à vida. Pediu a "às raparigas mais giras" da escola para as usarem e assim promover o seu trabalho. Depois a coisa correu bem e acabou por pedir a uma fábrica que o fizesse. Já exporta o que faz. Até aqui, o Martim só merecia aplauso. Até aqui e depois disto. Porque a única coisa que vi no "Prós & Contras" de segunda-feira foi um miúdo empenhado, com genica, a querer viver da sua criatividade e do seu trabalho. Não vi um chico esperto, um arrivista, alguém que espezinha os outros para subir na vida. Vi alguém que quer fazer o que gosta e faz por isso. Nada sei sobre ele. Ninguém ali sabia. Logo, o que interessa é o que se viu: um miúdo articulado, despachado, esperto e empenhado.
 
A historiadora Raquel Varela (que, para que fique a declaração de interesses, conheço há uns bons anos e de quem, apesar de muitas e antigas divergências políticas, gosto muito pessoalmente) achou que aquele era o momento ideal para explicar os fundamentos da exploração. Perguntou se ele sabia quanto recebiam os trabalhadores chineses que lhe faziam a roupa. Azar: a roupa era feita numa fábrica portuguesa. Depois perguntou se ele sabia quanto ganhavam os trabalhadores que as faziam, pois nas fábricas portuguesas recebe-se o salário mínimo, que, verdade indesmentível, não dá para viver com dignidade. Ele respondeu: ao menos os trabalhadores que ganham o salário mínimo não estão no desemprego. A coisa espalhou-se pelas redes sociais e o rapaz tornou-se em assunto de debate.
 
Com esta frase, Martim Neves, sem o saber (ou sabendo, é indiferente), atirou por terra tudo que Raquel Varela tivesse para dizer. Porque a historiadora não tinha razão? Porque o salário mínimo dá para viver? Nada disso. Raquel Varela tinha toda a razão, mas a isso já vou. Mas porque o facto de ter razão não invalida que o que Martim disse seja igualmente verdade. É mesmo melhor pouco que nada. Não é preciso fazer grande teoria sobre o assunto, porque se trata de puro bom-senso. Ter nada não é o mesmo que ter pouco. Por isso mesmo se defende a existência de um salário mínimo e todas as pessoas normais se batem pelo subsídio de desemprego. Se fosse o mesmo, nem uma nem outra coisa fariam qualquer sentido. Se não fosse melhor receber o salário mínimo do que estar desempregado a esquerda não tinha passado décadas a bater-se pelo salário mínimo. Quer é que ele seja maior.
 
O problema de Raquel Varela foi ter escolhido a pessoa errada para ilustrar o seu ponto de vista. Foi ter procurado num miúdo de 16 anos, com iniciativa, que não é dono de fábrica nenhuma e que em nenhum momento defendeu que o salário mínimo era decente, mais um exemplo da luta de classes. Foi, como muitas vezes acontece à esquerda (e à direita), usar a ideologia, não como o enquadramento para a sua ação política, mas como um pronto-a-vestir. Simplificou de tal forma as coisas que recebeu uma resposta igualmente simples mas muito mais eficaz.
 
Sim, o pouco ser melhor que nada não justifica o pouco. Porque de pouco em pouco se chega ao nada. Porque, já agora, pelo menos em Portugal, a existência do desemprego ajuda aos salários baixos. E o argumento de que mais vale pouco que nada faz o resto. Não porque seja falso. Funciona exatamente por ser verdadeiro. Se fosse falso, ninguém aceitaria pouco e preferia ficar com nada.
 
Cabe à política, através, por exemplo, de um salário mínimo decente, de um subsídio de desemprego que não obrigue as pessoas a aceitar trabalho quase escravo, de um Estado Social que garanta a dignidade, de uma política que promova o trabalho qualificado, impedir que esta verdade se transforme numa chantagem. Nada disto é posto em causa pelas roupas do Martim. Nem pelo facto de ter entregue as suas roupas a uma fábrica e com isso ter ajudado, à sua dimensão, a economia. Aquela que produz bens que nós compramos. Coisa que Raquel Varela quase tratou como uma forma de cumplicidade de um adolescente com a política de salários baixos. Nem sequer a sua frase, que corresponde a uma evidência, é um problema. O problema, e disso o Martim não tem qualquer culpa, é a política que usa esta verdade para aniquilar a dignidade das pessoas. O mundo estar cheio de verdades cruéis não nos impede de, como comunidade, impor outras verdades que as combatam.
 
O problema de alguma esquerda, que desvaloriza o papel social do Estado e o reformismo de que o garantiu, é que depois se vê obrigada a encontrar em cada demonstração de ambição pessoal mais um exemplo da luta de classes, única explicação para toda a realidade. Porque não há lugar para meios-termos, não há diferença entre o Martim e o dono da cadeia de supermercados que tem lucros gigantescos enquanto mantém os seus trabalhadores abaixo do limiar da pobreza.
 
O problema naquele diálogo não foi o Martim. Foi a Raquel Varela, que confundiu a consciência política e a solidariedade social, que a todos é exigida, com a falta de ambição pessoal. Que confundiu o combate ao ultraliberalismo com a censura à iniciativa privada. Que tomou um miúdo com genica por um capitalista sem escrúpulos. Que tentou aplicar o seu prefabricado ideológico na primeira coisa que lhe apareceu à frente. Que confundiu o Manuel Germano com Género Humano. Que, como acontece tantas vezes ao excesso de voluntarismo ideológico (de esquerda ou de direita, de Raquel Varela e dos que viram no Martim um exemplo para saída da crise), afastou a política da vida concreta, fazendo da vida concreta uma mera ilustração da política.
Publicado no Expresso Online»
Por Daniel Oliveira
FONTE: Arrastão

segunda-feira, 20 de maio de 2013

ALEMANHA IRRECONHECÍVEL

«“DÊEM-ME 4 ANOS E NÃO RECONHECERÃO A ALEMANHA" - Texto de Herwig Lerouge
(Como Hitler chega ao poder suspendendo a democracia, assassinando os comunistas e tendo como cúmplices os socialistas e os sociais-democratas)

Em 30 de janeiro de 1933, quando Hitler chega ao poder, começa uma era de crimes contra a humanidade, cada qual o mais horrível. Em doze anos, os nazis puseram de pé uma ditadura sanguinária, provocaram uma guerra mundial e a morte de 70 milhões de pessoas, planificaram e executaram um genocídio em escala industrial.
Na sua declaração governamental de 1 de fevereiro de 1933, Hitler prometia ao povo alemão a melhoria da situação dos trabalhadores e dos camponeses e a manutenção e consolidação da paz. «Dêem-me quatro anos e não reconhecerão a Alemanha», profetizava ele. Depois de quatro anos de guerra, a Alemanha, tal como a Europa, destruídas, tinham-se, de facto, tornado irreconhecíveis.
Perguntamo-nos como pôde o fascismo chegar ao poder na Alemanha, quem foram os responsáveis e como impedir o seu regresso. Um conhecimento científico das origens da natureza profunda do fascismo reforça o combate de hoje.

1. Um golpe de Estado legal
Em 30 de janeiro de 1933, o presidente alemão Hindenburg nomeia como Primeiro-ministro Adolf Hitler, o dirigente do Partido nacional-socialista alemão (nazi). Hindenburg tinha voltado a ser presidente em março de 1932. Os nazis propunham Hitler. O Partido do Centro apoiava o presidente em fim de mandato, o monárquico Hindenburg. O Partido Socialista alemão recusava apresentar um candidato em comum com o Partido Comunista (KPD) e apoiava Hindenburg sob a palavra de ordem: «Derrotar Hitler – votar Hindenburg». O KPD conduzia a campanha sob a palavra de ordem: «Votar Hindenburg é votar em Hitler. Votar Hitler é votar a favor da guerra». Nove meses mais tarde, o presidente Hindenburg nomeava Hitler. Nem nove anos passados, foi mesmo a guerra.

O primeiro governo de Hitler tinha apenas três nazis, entre os quais o próprio Hitler. Não chegou ao poder através de uma vitória eleitoral, nem na base de uma maioria parlamentar. Não se atrevia sequer a apresentar-se perante o Parlamento, porque era minoritário. Preferiu dissolver o Parlamento e organizar novas eleições que foram marcadas para 5 de março.
Este compasso de espera deu-lhe a oportunidade de governar cinco semanas sem controlo parlamentar. Tratou-se de um golpe de Estado legal, pois a Constituição alemã da época permitia ao Presidente dissolver o Parlamento ou suspendê-lo temporariamente.

2. Um regime de terror
Em 4 de fevereiro, Hindenburg dá uma ordem urgente que proíbe qualquer crítica ao governo, suprime a liberdade de reunião e de imprensa do Partido Comunista da Alemanha (KPD) e de outras organizações de esquerda. O KPD estava então a trabalhar na campanha eleitoral.
Em 27 de fevereiro, um anarquista holandês desequilibrado provoca o incêndio do Reichstag, o Parlamento alemão. Muitos historiadores estão convencidos de que o incêndio foi de facto provocado por um destacamento das Secções de Assalto (SA) nazis. O que se segue confirma a tese da provocação planeada. Antes de qualquer inquérito, a rádio afirma que a culpa é dos comunistas. Na mesma noite, na base de listas preparadas de antemão, mais de 10 000 comunistas, socialistas e progressistas são presos. Toda a imprensa comunista e vários jornais socialistas foram proibidos. A liberdade de imprensa e de reunião são suspensas.
Apesar desta repressão, as eleições não dão uma maioria aos nazis nem uma maioria de dois terços ao governo de coligação dirigido por Hitler. Para a obter, o governo elimina os 81 mandatos do KPD, sem que nenhum partido tivesse protestado. Nem mesmo o Partido Socialista. Ficando o assunto resolvido, o Parlamento vota uma moção de confiança e autoriza de seguida o governo de Hitler a decretar leis sem o seu consentimento. Foi de facto uma autodissolução. Os socialistas votam contra a declaração governamental, mas consideram democráticas as eleições, apesar da repressão.
Em dois anos, os nazis proibiram os partidos políticos, mataram mais de 4200 pessoas, prenderam 317 800 opositores, dos quais 218 600 foram agredidos e torturados. Em 20 de março de 1933, o comissário nazi da polícia de Munich, Himmler, criou, nas instalações de uma antiga fábrica de pólvora de Dachau, o primeiro campo de concentração destinado a prisioneiros políticos. Quarenta outros se lhe seguirão no mesmo ano.

3. Tenho milhões atrás de mim
Hitler não foi, pois, eleito democraticamente, como muitas vezes se ouve dizer. Na realidade, a decisão de nomear o chanceler tinha sido tomada algumas semanas antes, em 3 de fevereiro, na villa do banqueiro von Schröder. Até então, os grandes industriais e banqueiros tinham estado divididos a seu respeito.
Com várias repetições entre 1918 e 1923, os círculos mais à direita da classe dirigente tinham tentado, através de golpes de Estado e de uma ditadura militar (o putsch de Kapp em 1920), desembaraçar-se do sistema parlamentar, suprimir os direitos importantes adquiridos pelos trabalhadores por ocasião da revolução de novembro de 1918, para se vingarem assim do que tinham perdido. Estes círculos apoiavam-se numa parte das forças armadas e em numerosas organizações reacionárias. Uma delas, o NSDAP (Partido nacional-socialista dos trabalhadores alemães) tinha na Baviera uma inquestionável influência local. Hitler tinha sido enviado pelo exército como informador no interior deste partido, uma vez que ainda era militar. Numerosos industriais viam já nessa época no NSDAP uma das organizações que valia a pena serem apoiadas. Financiaram-no.

Os homens políticos da burguesia alemã tinham retirado lições do fracasso do putsch de Kapp de 1920 e de todas as tentativas de pôr fim à república de Weimar de modo violento. Tendo em conta a organização e a força do movimento operário alemão, não se podia encarar no futuro uma tentativa de putsch. Em 1923, o patrão siderúrgico Stinnes dizia ao embaixador americano: «É preciso encontrar um ditador que tenha o poder de fazer tudo o que é necessário. Um tal homem deve falar a língua do povo e ser ele próprio um civil; nós temos um homem assim.»
Com a crise económica de 1929, estes mesmos círculos decidiram apostar no partido de Hitler, que recebeu da sua parte um apoio acrescido. Sem os seus milhões, Hitler nunca se teria tornado tão importante. Puseram à sua disposição hangares desativados que transformaram numa versão nazi do Exército de Salvação. Podiam encontrar-se aí infelizes sem trabalho para comerem um prato de sopa e uma cama para dormir. Antes de se terem dado conta, puseram-lhes em cima um uniforme e desfilaram em passo de ganso atrás da bandeira nazi. Durante a campanha presidencial de 1932, os nazis colaram milhões de cartazes, imprimiram doze milhões de números especiais do seu sórdido jornal e organizaram 3 000 comícios. Pela primeira vez, usaram filmes e discos. Hitler utilizava um avião privado para se deslocar de um comício para outro. Em 1932, o partido nazi tinha
milhares de funcionários e só a manutenção das SA (secções de assalto) custava dois milhões de marcos por semana. Quem pagava tudo isso? Não eram certamente os desempregados que eram membros do partido nazi…

Nas eleições federais de Setembro de 1930, o NSDAP tornou-se o segundo partido, com mais de 6 milhões de votos. Os representantes mais importantes da classe dirigente opinam a favor da formação de um governo com ele. Hitler é convidado a expor as suas ideias perante os círculos de grandes capitalistas e vários deles aderem ao partido. O diretor da empresa Siemens, Carl Friedrich von Siemens, pronuncia em 27 de outubro de 1931 um discurso perante alguns dos principais membros da finança americana, para dissipar os receios que suscita uma tal subida dos nazis ao governo. Insiste sobretudo na vontade manifestada pelos nazis de erradicar o socialismo na Alemanha. A 26 de janeiro de 1932, no Düsseldorfer Industrieklub, Fritz Thyssen, o magnata da siderurgia, organiza uma conferência de Hitler perante mais de cem grandes patrões, na qual este assegura que o seu movimento vê na propriedade privada o fundamento da economia alemã e que o seu objetivo principal é erradicar o marxismo pela raiz na Alemanha.

4. Em frente depressa antes que seja tarde demais
Mas foi ainda necessário um ano, antes que os patrões confiassem a chancelaria a Hitler. Tinham medo da reação do movimento operário. Além disso, entregavam-se a violentas lutas pelo poder, cada um a querer tomar o comando da ditadura que estava para vir.
Mas, nas eleições federais de 6 de Novembro de 1932, o Partido Comunista da Alemanha aumentou fortemente a sua influência entre os trabalhadores, em detrimento do Partido Socialista, que perde cada vez mais a sua influência na classe operária. O capital teme uma sublevação revolucionária. O NSDAP perde dois milhões de votos. Se o partido sofre mais uma perda importante corre-se o risco de arruinar todas as esperanças do grande patronato. Põem no armário as suas querelas internas e decidem confiar mais rapidamente o poder ao partido de Hitler.
Em 19 de novembro, banqueiros, grandes industriais e grandes proprietários de terras pedem ao presidente Hindenburg que nomeie Hitler para a chancelaria. O encontro entre o Primeiro-ministro em exercício, von Papen, e Hitler, na villa do banqueiro von Schröder, a 4 de janeiro de 1933, selou os acordos que conduziram ao 30 de janeiro de 1933.
Alguns patrões ainda têm dúvidas sobre a capacidade de Hitler para controlar o seu movimento em marcha, inflamado pelos discursos demagógicos contra o grande capital. Mas Hitler sossega-os. Em 20 de fevereiro de 1933, recebe a alta-roda do grande capital alemão. A ala dita anticapitalista do partido, que tinha acreditado na demagogia de Hitler e pensava que os nazis tomariam também medidas contra o grande capital, foi eliminada.
Durante a noite das facas longas, em 30 de junho de 1934, Hitler manda assassinar
1 000 quadros das suas próprias secções de assalto (SA).
Foram os Thyssen, os Krupp, os Siemens e outros que determinaram a política económica de Hitler. Bastava ver a composição do Alto comité económico do governo nazi. Aí encontramos Gustav Krupp von Bohlen, rei da indústria do armamento, Fritz Thyssen, barão do aço, C. von Siemens, rei da electricidade, Karl Bosch, da indústria de corantes.
O governo de Hitler bloqueia os salários no já muito baixo nível de 1932, onde tinham estagnado por causa da crise. Os trabalhadores são privados de todos os seus direitos e ameaçados de prisão num campo de concentração se fizessem greve.
A lei nazi de 15 de maio de 1934 limita a liberdade de mudar de patrão. Foi introduzido um livrete de trabalho em fevereiro de 1935. Sem este documento, nenhum trabalhador pode ser contratado. Tal como na Bélgica do século XIX, um operário que queira ir trabalhar para outro lado pode ser impedido de o fazer pelo seu patrão se for o detentor do seu livrete de trabalho.
O fascismo levou a lógica do capitalismo ao seu pior extremo. A busca da competitividade leva a uma espiral descendente dos salários e dos direitos sociais. O fascismo levou a competitividade das fábricas alemãs a cúmulos nunca antes atingidos. Nos campos de trabalho, o custo salarial e os encargos sociais são praticamente reduzidos a zero. Entre as empresas que rivalizavam para obter a maior quantidade possível de mão-de-obra proveniente dos campos de concentração, encontra-se a nata do grande capital. Para poupar nos custos de transporte, várias fábricas construíram as suas instalações nos
arredores mais próximos do campo.

O problema do desemprego resolve-se enviando uma parte dos desempregados para o exército, uma outra para as fábricas de armamento. As duas partes são assim obrigadas a preparar a sua própria morte e a de dezenas de milhões de outros.

5. Uma catástrofe evitável
Falar da «facilidade» com que o fascismo conquistou a vitória em 1933 é falso. O combate que a classe operária da Alemanha travou contra a extrema-direita em marcha durou quinze anos, antes que a ditadura fascista conseguisse ser instaurada; nesta luta, dezenas de milhares de operários perderam a vida debaixo das balas do inimigo e se, finalmente, eles não conseguiram impedir o estabelecimento da ditadura fascista, não foi pela superioridade do fascismo, mas apenas porque a ação dos trabalhadores foi paralisada por alguns dos seus dirigentes. Segundo o grande historiador alemão Kurt Gossweiller, especialista em fascismo, esta catástrofe poderia ter sido travada, mas apenas pelo movimento operário numa frente unida, pelo combate de massas unido de todos os antifascistas, inclusive por lutas extraparlamentares.
O Partido Comunista Alemão era a única força política a opor ao fascismo uma hostilidade irreconciliável. Sem dúvida que ele subestimou o perigo durante demasiado tempo mas, assim que tomou consciência dele, foi o primeiro a mobilizar todos os meios e todas as forças necessárias para impedir a tomada de poder pelos fascistas. Mas não foi suficientemente forte para sublevar sozinho os trabalhadores, sem e contra a direção socialista. Sem dúvida que poderia ter feito mais esforços e mais cedo para criar uma frente com os trabalhadores socialistas. Mas é muitíssimo duvidoso que a resposta do Partido Socialista a este esforço tivesse sido positiva.
No período de preparação da ditadura fascista, os dirigentes da ala direita da social-democracia desempenharam um papel muito negativo. A classe operária precipitou-se numa miséria indescritível. O governo do socialista Müller pôs em prática, desde o começo da crise de 1929, uma política antioperária e pró-capitalista draconiana: em 1929, os capitalistas obtêm 1,37 mil milhões de marcos de diminuição de impostos. Os impostos (sobretudo os indiretos) e as taxas que atingem a massa da população aumentam: as taxas sobre os produtos de primeira necessidade aumentam 2 mil milhões de marcos em 1929.
Este governo votou um plano que suprime ou diminui os subsídios de desemprego para 1,2 milhões de desempregados. O número dos excluídos dos subsídios de desemprego aumenta de 500 000, em 1927, para mais de um milhão, em 1930. Em janeiro de 1930, 80% dos sem-trabalho beneficiam de subsídio de desemprego. Em dezembro do mesmo ano, não serão mais de 57%.

6. De «mal menor» em «mal menor» até Hitler
Em março de 1930, a direita faz excluir os socialistas do governo nacional. Chega o governo de Brüning do Partido do centro, que faz do «saneamento das finanças públicas» o ponto principal do seu programa. Em nome do «mal menor», quer dizer, para «evitar o fascismo», a social-democracia abandona a sua oposição parlamentar ao governo Brüning. Decide «tolerar» o governo e votar contra qualquer moção de censura no parlamento. Em novembro de 1931, o governo decide mesmo uma diminuição de 10 a 15% dos salários, a anulação dos contratos coletivos existentes, o retorno dos salários ao nível de 10 de janeiro de 1927, a supressão do direito à greve, a diminuição dos subsídios sociais e o aumento dos descontos, o adiamento por um ano das eleições sociais e a proclamação do estado de exceção. Na prática, estes decretos significavam uma diminuição real dos salários de 27 a 29% e conduziam praticamente à supressão dos direitos democráticos dos trabalhadores. Enquanto denunciava isto na sua imprensa, o PSA permite, com a abstenção dos seus deputados, o voto a favor desta legislação.
Os dirigentes socialistas atacam mais os comunistas que os fascistas. No 1º de maio de 1929, o chefe da polícia de Berlim, socialista, proíbe as manifestações e dá ordem de fogo contra os 200 000 operários que, mesmo assim, se manifestavam. Mata 33 manifestantes.
Proíbe o jornal do KPD e, a 3 de maio, o ministro socialista do Interior da Prússia proíbe a Frente vermelha de combatentes, a organização de autodefesa antifascista do KPD.
Ao longo de 1930, mais de 80 antifascistas são assassinados pelas SA, as tropas de choque nazis. Um clima de violência alastra a toda a Alemanha. Mas Hitler faz o papel do governante respeitável, respeitador da legalidade. O PSA está quase a acreditar nisso. O jornal socialista Vorwärts de 3 de dezembro de 1931 escrevia: «Se estivéssemos seguros de que uma vez no poder os nacional-socialistas cumpririam as regras do jogo democrático que eles afirmam cumprir para chegar ao poder, então estaríamos dispostos a deixá-los entrar no governo e o mais depressa possível.»
Mesmo face à ameaça direta do fascismo, recusaram aliar-se aos comunistas. Quando em maio de 1932 a direita no poder em Berlim destituiu o governo socialista minoritário da Prússia, o único governo regional socialista que sobrava, a direção do PSA protestou verbalmente, mas submeteu-se. Classificou como «provocação» a proposta comunista de apelar em conjunto à greve geral.
Apesar disso, a direita e os fascistas não tinham forças para afrontar uma resistência ativa do PSA, da sua organização de luta Reichsbanner, do sindicato, do KPD e da FRC. Julho de 1932 era provavelmente a última hipótese de impedir o fascismo de chegar ao poder. O nazi Goebbels dizia nesse momento: «Os vermelhos deixaram passar a grande ocasião. Ela não se repetirá.»
Em 30 de janeiro de 1933, os dirigentes socialistas rejeitam de novo a oferta de greve geral do KPD. Enquanto Hitler «não violasse a constituição», eles não queriam entrar na luta.
Era preciso esperar pelas eleições de 5 de março. Mesmo o terror contra os comunistas e alguns socialistas, depois do incêndio do Reichstag, não mudou a sua posição. Ainda em março de 1933, o chefe dos sindicatos socialistas, Leipart, oferece a sua colaboração a Hitler. «Os sindicatos estão prontos… a entrar em colaboração permanente com as organizações patronais. O controlo pelo Estado (fascista) de tal colaboração poderia, em certas circunstâncias, aumentar o seu valor e facilitar o seu funcionamento…», disse ele.

No 1º de maio de 1933, os nazis e os patrões apelam aos operários a que participem em massa nas manifestações organizadas pelo regime. Os dirigentes sindicais bebem o cálice da vergonha até ao fim e juntam-se a este apelo. Isso não lhes serve de nada. No dia seguinte, os principais dirigentes sindicais são presos e os bens dos seus sindicatos confiscados.
Mas o PSA vai ainda mais longe. Em 17 de maio, os deputados social-democratas votam a favor da «revolução pacífica» de Hitler no Reichstag. Tratava-se da exigência de revisão do tratado de Versalhes, com o objetivo de levantar qualquer barreira aos projetos expansionistas alemãs. Este servilismo também não beneficia em nada o PSA. Um considerável número de funcionários socialistas e sindicais, entre os quais o tristemente célebre ministro do Interior da Prússia, Severing, não hesitam em passar-se para os nazis.
Em 1935, Georges Dimitrov, o dirigente da Internacional comunista dirá: «A vitória do fascismo era inevitável na Alemanha? Não, a classe operária alemã podia esconjurá-la. Mas, para isso, ela devia ter obrigado os chefes da social-democracia a terminar a sua campanha contra os comunistas e aceitar as repetidas propostas do Partido Comunista sobre a unidade na ação contra o fascismo. Deveria ter respondido em favor de uma verdadeira luta de massas que teria entravado os planos fascistas da burguesia alemã.»

Para saber mais sobre as origens do fascismo, sobre as forças que o levaram ao poder, sobre a resistência, eis algumas fontes:

. Kurt Gossweiler, « Hitler, l’irrésistible ascension ? [Hitler, a ascensão irresistível ?(NT)]», Études marxistes, 67-68/2004.
. Kurt Gossweiler, « L’économie allemande en 1933-1934 : De la crise mondiale au redressement [A economia alemã em 1933-1934 : Da crise mundial à recuperação(NT)] », Études marxistes, 65/2006.
. Herwig Lerouge, « Sans la trahison du parti socialiste allemand, le fascisme n’aurait jamais triomphé en Allemagne [Sem a traição do partido socialista alemão, o fascismo jamais teria triunfado na Alemanha (NT)] », Études marxistes, 15/1992.

CATARINA EUFÉMIA

«Francisco Miguel
Na vasta planície os trigos não ceifados.
Ao longe oliveiras batidas pelo sol.
Tu serena caminhas para os soldados
com a ideia, para todos um farol.

A brisa não se levantara.
Ias armada apenas da razão.
Contigo os milhões que têm, fome
contigo o povo que não come e que ali cultiva o nosso pão.

O monstro empunhava as armas de aço.
Tu pedindo a paz serena caminhavas
levando um filho no colo outro no regaço.

As armas dispararam, tu tombaste.
Com teu sangue a terra foi regada.

E ali à luz do sol que tudo ardia
dava mais um passo a nossa caminhada.
Na boca da mulher assassinada
certeza da vitória nos sorria.

o sol que o teu sangue viu correr
que teus camaradas viu ali aflitos
ouvirá amanhã os nossos gritos
quando o novo dia amanhecer

Que nessa terra heróica - Baleizão -
onde se recolhe o trigo branco e loiro
teu nome gravado em letras de oiro
tem já cada um no coração»

AO RETRATO DE CATARINA

«Carlos Aboim Inglez
Esses teus olhos enxutos
Num fundo cavo de olheiras
Esses lábios resolutos
Boca de falas inteiras
Essa fronte aonde os brutos
Vararam balas certeiras
Contam certa a tua vida
Vida de lida e de luta
De fome tão sem medida
Que os campos todos enluta

Ceifou-te ceifeira a morte
Antes da própria sazão
Quando o teu altivo porte
Fazia sombra ao patrão
Sua lei ditou-te a sorte
Negra bala foi teu pão
E o pão por nós semeado
Com nosso suor colhido
Pelo pobre é amassado
Pelo rico só repartido

Tanta seara continhas
Visível já nas entranhas
Em teu ventre a vida tinhas
Na morte certeza tenhas
Malditas ervas daninhas
Hão-de ter mondas tamanhas
Searas de grã estatura
De raiva surda e vingança
Crescerão da tua esperança
Ceifada sem ser madura

Teus destinos Catarina
Não findaram sem renovo
Tiveram morte assassina
Hão-de ter vida de novo
Na semente que germina
Dos destinos do teu povo
E na noite negra negra
Do teu cabelo revolto
nasce a Manhã do teu rosto
No futuro de olhos posto»

GOVERNO VAI CAIR?

«Passos Coelho foi a Belém no domingo dizer a Cavaco Silva que a sétima avaliação da troika a Portugal estava em perigo porque Portas recusava assinar o documento que punha como “benchmark [objectivo] estrutural” a nova taxa sobre as pensões. A troika não cedia.
Cavaco, nessa manhã, virou o jogo: manifestou também dúvidas sobre a medida e fez chegar à troika a mensagem de que poderia enviá-la para o Tribunal Constitucional. O perigo de queda do Governo e a oposição do Presidente acabaram por ter efeitos: a medida foi desvalorizada e Portas aceitou, “na 25.ª hora”, assinar o memorando. Pelo meio, até Durão Barroso interveio – o presidente da Comissão estava em Lisboa e falou com Passos e Portas, ajudando a recompor a coligação.
A crise interna começou na quinta-feira da semana passada, quando Portas recebeu no Palácio das Necessidades os chefes de missão da troika. Fez aí um derradeiro esforço para os convencer da necessidade de deixar cair a nova taxa sobre as pensões. Mas a troika não se convenceu. Considerou os cortes alternativos nos ministérios, que Portas e Carlos Moedas conseguiram em duas semanas de trabalho interno, de efeito incerto; e considerou também imprescindível que o Governo fosse determinado no campo das pensões.
Na sexta-feira ao final do dia, Passos e Portas encontraram-se em S. Bento. Foi aí que Portas disse que não assinaria o documento com a medida classificada como prioritária. Saiu da residência oficial do primeiro-ministro com a ruptura à vista.
Os técnicos externos terminaram a avaliação no sábado e deixaram a batata quente a Passos Coelho. Nesse dia, Passos chamou vários ministros a S. Bento: Mota Soares, Portas, Gaspar e Poiares Maduro. Mas em separado. Em cima da mesa, uma versão intermédia: a medida passaria a opcional, ou seja, poderia ser trocada por outra medida de igual efeito. Um critério que a tornava igual a todas as outras.
O líder do CDS, que tinha marcada em Aveiro uma discreta apresentação de candidatos autárquicos, voltou a São Bento. Mas manteve-se contra: não queria a taxa no papel nem como hipótese académica, confirmou o SOL.»
FONTE: Jornal Sol

domingo, 19 de maio de 2013

EL CHE Y SU MADRE

«El Che y su madre: La piedra
Este es un impactante relato testimonial escrito por el Che en el Congo. Ocupa en su versión original, de la que fue tomado, diez caras de su libreta de apuntes, y está escrito allí directamente, con pocas correcciones en sus páginas. El tema del relato —el anuncio de la posible muerte de Celia, su madre— ubica su escritura en algún momento posterior al 22 de mayo de 1965. Osmany Cienfuegos llevó al Che ese día “la noticia más triste de la guerra: en conversación telefónica desde buenos Aires informaban que mi madre estaba muy enferma, con un tono que hacía presumir que ese era simplemente un anuncio preparatorio. (…) Tuve que pasar un mes en esa triste incertidumbre, esperando resultados de algo que adivinaba pero con la esperanza de que hubiera un error en la noticia, hasta que llegó la confirmación del deceso de mi madre”. En medio de “esa triste incertidumbre” Che construye este relato de fuerte tono introspectivo, en el que conviven las reflexiones filosóficas, la ironía, el dolor y la ternura. Es probablemente el relato más crudo, intenso y conmovedor que haya escrito. LA PIEDRA Me lo dijo como se deben decir estas cosas a un hombre fuerte, a un responsable, y lo agradecí. No me mintió preocupación o dolor y traté de no mostrar ni lo uno ni lo otro. ¡Fue tan simple! Además había que esperar la confirmación para estar oficialmente triste. Me pregunté si se podía llorar un poquito. No, no debía ser, porque el jefe es impersonal; no es que se le niegue el derecho a sentir, simplemente, no debe mostrar que siente lo de él; lo de sus soldados, tal vez. —Fue un amigo de la familia, le telefonearon avisándole que estaba muy grave, pero yo salí ese día. —Grave, ¿de muerte? —Sí. —No dejes de avisarme cualquier cosa. En cuanto lo sepa, pero no hay esperanzas. Creo. Ya se había ido el mensajero de la muerte y no tenía confirmación. Esperar era todo lo que cabía. Con la noticia oficial decidiría si tenía derecho o no a mostrar mi tristeza. Me inclinaba a creer que no. El sol mañanero golpeaba fuerte después de la lluvia. No había nada extraño en ello; todos los días llovía y después salía el sol y apretaba y expulsaba la humedad. Por la tarde, el arroyo sería otra vez cristalino, aunque ese día no había caído mucha agua en las montañas; estaba casi normal. —Decían que el 20 de mayo dejaba de llover y hasta octubre no caía una gota de agua. —Decían… pero dicen tantas cosas que no son ciertas. —¿La naturaleza se guiará por el calendario? No me importaba si la naturaleza se guiaba o no por el calendario. En general, podía decir que no me importaba nada de nada, ni esa inactividad forzada, ni esta guerra idiota, sin objetivos. Bueno, sin objetivo no; solo que estaba tan vago, tan diluido, que parecía inalcanzable, como un infierno surrealista donde el eterno castigo fuera el tedio. Y, además, me importaba. Claro que me importaba. Hay que encontrar la manera de romper esto, pensé. Y era fácil pensarlo; uno podía hacer mil planes, a cual más tentador, luego seleccionar los mejores, fundir dos o tres en uno, simplificarlo, verterlo al papel y entregarlo. Allí acababa todo y había que empezar de nuevo. Una burocracia más inteligente que lo normal; en vez de archivar, lo desaparecían. Mis hombres decían que se lo fumaban, todo pedazo de papel puede fumarse, si hay algo dentro. Era una ventaja, lo que no me gustara podía cambiarlo en el próximo plan. Nadie lo notaría. Parecía que eso seguiría hasta el infinito. Tenía deseos de fumar y saqué la pipa. Estaba, como siempre, en mi bolsillo. Yo no perdía mis pipas, como los soldados. Es que era muy importante para mí tenerla. En los caminos del humo se puede remontar cualquier distancia, diría que se pueden creer los propios planes y soñar con la victoria sin que parezca un sueño; solo una realidad vaporosa por la distancia y las brumas que hay siempre en los caminos del humo. Muy buena compañera es la pipa; ¿cómo perder una cosa tan necesaria? Qué brutos. No eran tan brutos; tenían actividad y cansancio de actividad. No hace falta pensar entonces y ¿para qué sirve una pipa sin pensar? Pero se puede soñar. Sí, se puede soñar, pero la pipa es importante cuando se sueña a lo lejos; hacia un futuro cuyo único camino es el humo o un pasado tan lejano que hay necesidad de usar el mismo sendero. Pero los anhelos cercanos se sienten con otra parte del cuerpo, tienen pies vigorosos y vista joven; no necesitan el auxilio del humo. Ellos la perdían porque no les era imprescindible, no se pierden las cosas imprescindibles. ¿Tendría algo más de ese tipo? El pañuelo de gasa. Eso era distinto; me lo dio ella por si me herían en un brazo, sería un cabestrillo amoroso. La dificultad estaba en usarlo si me partían el carapacho. En realidad había una solución fácil, que me lo pusiera en la cabeza para aguantarme la quijada y me iría con él a la tumba. Leal hasta en la muerte. Si quedaba tendido en un monte o me recogían los otros no habría pañuelito de gasa; me descompondría entre las hierbas o me exhibirían y tal vez saldría en el Life con una mirada agónica y desesperada fija en el instante del supremo miedo. Porque se tiene miedo, a qué negarlo. Por el humo, anduve mis viejos caminos y llegué a los rincones íntimos de mis miedos, siempre ligados a la muerte como esa nada turbadora e inexplicable, por más que nosotros, marxistas-leninistas explicamos muy bien la muerte como la nada. Y, ¿qué es esa nada? Nada. Explicación más sencilla y convincente imposible. La nada es nada; cierra tu cerebro, ponle un manto negro, si quieres, con un cielo de estrellas distante, y esa es la nada-nada; equivalente: infinito. Uno sobrevive en la especie, en la historia, que es una forma mistificada de vida en la especie; en esos actos, en aquellos recuerdos. ¿Nunca has sentido un escalofrío en el espinazo leyendo las cargas al machete de Maceo?: eso es la vida después de la nada. Los hijos; también. No quisiera sobrevivirme en mis hijos: ni me conocen; soy un cuerpo extraño que perturba a veces su tranquilidad, que se interpone entre ellos y la madre. Me imaginé a mi hijo grande y ella canosa, diciéndole, en tono de reproche: tu padre no hubiera hecho tal cosa, o tal otra. Sentí dentro de mí, hijo de mi padre yo, una rebeldía tremenda. Yo hijo no sabría si era verdad o no que yo padre no hubiera hecho tal o cual cosa mala, pero me sentiría vejado, traicionado por ese recuerdo de yo padre que me refregaran a cada instante por la cara. Mi hijo debía ser un hombre; nada más, mejor o peor, pero un hombre. Le agradecía a mi padre su cariño dulce y volandero sin ejemplos. ¿Y mi madre? La pobre vieja. Oficialmente no tenía derecho todavía, debía esperar la confirmación. Así andaba, por mis rutas del humo cuando me interrumpió, gozoso de ser útil, un soldado. —¿No se le perdió nada? —Nada —dije, asociándola a la otra de mi ensueño. —Piense bien. Palpé mis bolsillos; todo en orden. —Nada. —¿Y esta piedrecita? Yo se la vi en el llavero. —Ah, carajo. Entonces me golpeó el reproche con fuerza salvaje. No se pierde nada necesario, vitalmente necesario. Y, ¿se vive si no se es necesario? Vegetativamente sí, un ser moral no, creo que no, al menos. Hasta sentí el chapuzón en el recuerdo y me vi palpando los bolsillos con rigurosa meticulosidad, mientras el arroyo, pardo de tierra montañera, me ocultaba su secreto. La pipa, primero la pipa; allí estaba. Los papeles o el pañuelo hubieran flotado. El vaporizador, presente; las plumas aquí; las libretas en su forro de nylon, sí; la fosforera, presente también, todo en orden. Se disolvió el chapuzón. Solo dos recuerdos pequeños llevé a la lucha; el pañuelo de gasa, de mi mujer y el llavero con la piedra, de mi madre, muy barato este, ordinario; la piedra se despegó y la guardé en el bolsillo. ¿Era clemente o vengativo, o solo impersonal como un jefe, el arroyo? ¿No se llora porque no se debe o porque no se puede? ¿No hay derecho a olvidar, aún en la guerra? ¿Es necesario disfrazar de macho al hielo? Qué se yo. De veras, no sé. Solo sé que tengo una necesidad física de que aparezca mi madre y yo recline mi cabeza en su regazo magro y ella me diga: “mi viejo”, con una ternura seca y plena y sentir en el pelo su mano desmañada, acariciándome a saltos, como un muñeco de cuerda, como si la ternura le saliera por los ojos y la voz, porque los conductores rotos no la hacen llegar a las extremidades. Y las manos se estremecen y palpan más que acarician, pero la ternura resbala por fuera y las rodea y uno se siente tan bien, tan pequeñito y tan fuerte. No es necesario pedirle perdón; ella lo comprende todo; uno lo sabe cuando escucha ese “mi viejo”… —¿Está fuerte? A mí también me hace efecto; ayer casi me caigo cuando me iba a levantar. Es que no lo dejan secar bien parece. —Es una mierda, estoy esperando el pedido a ver si traen picadura como la gente. Uno tiene derecho a fumarse aunque sea una pipa, tranquilo y sabroso ¿no?…»
FONTE: Partido Comunista de Cuba - PCC - Facebook

quinta-feira, 16 de maio de 2013

VANESSA FERNANDES

«O que correu mal a Vanessa Fernandes?

Sem­pre à morte, Vanessa?

Em nen­huma estrada de Por­tu­gal há tan­tos ciclis­tas como na que liga Arcoz­elo aos Car­val­hos, no con­celho de Gaia. São de todas as idades e tipos, mas prin­ci­pal­mente homens para cima dos 50 anos ped­a­lando bici­cle­tas de com­petição e enver­gando capacetes, calções de licra, blusas jus­tas e sap­atil­has espe­ci­ais. Vê-se que há a febre do ciclismo à volta de Per­os­inho e isso só pode ter uma expli­cação: Vences­lau Fernandes.

O “velho Lau”, como lhe chamavam quando era novo, tem uma loja e uma ofic­ina de bici­cle­tas na rua 25 de Abril, no cen­tro da vila. De fato-macaco azul, cabelo branco com­prido e des­gren­hado, é lá que passa a maior parte dos seus dias, a vender e a con­ser­tar bici­cle­tas. Não manda emb­ora nen­hum cliente, ainda que este­jam out­ros à espera e já sejam 10 ou 11 da noite. E nunca deixa de lhes explicar as ver­tentes  mais sub­tis dos prob­le­mas mecâni­cos das suas bici­cle­tas. Mesmo que isso implique não lhes vender uma roda, mas ape­nas sub­sti­tuir os cubos ou a cas­sete de cremalheiras.

Na ofic­ina de Vences­lau, o rádio está sem­pre sin­tonizado na Renascença, e tanto pode pas­sar música como uma missa inteira, com a Avé Maria rezada em coro pelos fiéis numa igreja. Num caso ou noutro, Lau não pára de falar. Tem sem­pre assunto e um grande orgulho nisso. “Se eu começasse a contar-lhe todas as min­has histórias”, diz ele, “ficaríamos até de manhã e nem daríamos pelo pas­sar das horas, porque são coisas tão inter­es­santes que temos sem­pre von­tade de ouvir mais”.

Vences­lau Fer­nan­des, o antigo ciclista que par­ticipou 22 vezes na Volta a Por­tu­gal e gan­hou uma, em 1984, é uma figura incon­tornável em Per­os­inho. Além da ofic­ina de bici­cle­tas, fun­dou um clube de tri­atlo e treina jovens atle­tas. E out­ros não tão jovens. Nos cir­cuitos que orga­niza pelas estradas da região par­tic­i­pam ciclis­tas de todas as categorias.

Nesta manhã de domingo de Junho, por exem­plo, o per­curso vai de Per­os­inho a Ovar, Furadouro, Oliveira de Azeméis, S. João da Madeira, Estar­reja… uns 100 quilómet­ros que Vences­lau, de 66 anos, vai ped­alar em ritmo de cor­rida, ao lado do filho, Vences­lau júnior, de 15 anos, que se prepara para o Campe­onato Nacional de Ciclismo do fim-de-semana seguinte, e um grupo de ciclis­tas ado­les­centes e outro de séniores. E ainda de uma con­vi­dada espe­cial, a mesma que surge nos pósteres e arti­gos de jor­nais afix­a­dos por toda a ofic­ina e andava há muito afas­tada destas cor­ri­das. “Redorde de vitórias”  é o título de um dos arti­gos na parede. Outro diz: “O mundo a seus pés”.

Vences­lau Fer­nan­des é o segundo habi­tante de Per­os­inho mais famoso do mundo. O primeiro é a sua filha mais velha, Vanessa Fernandes.

Vanessa está aqui em seg­redo. Teori­ca­mente, afastou-se das com­petições e treinos e refugiou-se algures numa estân­cia longín­qua e descon­hecida. Na real­i­dade, está há meses inter­nada num cen­tro de recu­per­ação para doentes com­pul­sivos, no cen­tro do país. Veio pas­sar uma sem­ana a casa, mas vai voltar para a clínica, onde ficará mais um mês.

Cor­tou a comu­ni­cação com todo o seu pas­sado, os cole­gas e os ami­gos. Não atende o tele­fone, não fala a jor­nal­is­tas, e até os con­tac­tos com a família têm sido espaça­dos e cur­tos. Foi entregue a uma equipa mul­ti­dis­ci­pli­nar de cerca de 20 ele­men­tos, chefi­ada pelo treinador de atletismo Paulo Colaço e o psicól­ogo E. S., e acom­pan­hada pelos pais, Vences­lau e Her­mí­nia Fer­nan­des, e o pres­i­dente da Fed­er­ação de Tri­atlo, José Luís Ferreira.

O trata­mento a que está sub­metida é inten­sivo e inte­grado, mas ao mesmo tempo Vanessa Fer­nan­des está a treinar. Segundo Paulo Colaço, o objec­tivo é ape­nas man­ter a forma física e um nível de preparação que per­mita à ex-atleta voltar à alta-competição se e quando quiser.

No entanto, o seu ritmo de três treinos por dia, de cor­rida, natação e ciclismo, tem vol­ume e inten­si­dade con­sen­tâ­neos com uma preparação para par­tic­i­par já nos próx­i­mos Jogos Olímpi­cos, em 2012, em Londres.

***

Muito poucos atle­tas no mundo gan­haram tan­tas medal­has tão jovens e em tão pouco tempo como Vanessa Fer­nan­des. Começou a par­tic­i­par em campe­onatos europeus de juniores aos 16 anos, pouco depois de ter ido viver para o Cen­tro de Alto Rendi­mento (CAR) do Jamor, por con­vite da Fed­er­ação de Tri­atlo de Por­tu­gal, e aos 17 obteve a primeira medalha europeia de bronze. Em 2003, com 18 anos, era campeã europeia júnior, mas já há um ano que par­tic­i­pava nas com­petições a Taça do Mundo de elites. Ainda tinha 18 anos quando gan­hou a sua primeira com­petição da Taça do Mundo de elites, em Madrid. Em 2004 ficou em 8º lugar nos Jogos Olímpi­cos de Ate­nas, e a par­tir daí começou a colec­cionar vitórias no cir­cuito da Taça do Mundo. Em 2006 foi segunda nos Mundi­ais de Lau­sanne, e em 2007 tornou-se campeã do Mundo. Entre 2006 e 2007, aliás, gan­hou 20 medal­has de ouro em com­petições de alto nível. Taças do Mundo gan­hou, ao todo, 20. Além de 4 vitórias no Campe­onato da Europa de sub-23, e duas nos campe­onatos do Mundo de Duatlo. Só no ano de 2006, o mais pro­du­tivo da sua car­reira, con­quis­tou onze vitórias, 6 das quais em Taças do Mundo.

Em 2008 obteve a medalha de prata nas Olimpíadas de Pequim, e depois começou a crise. Ofi­cial­mente, teve várias lesões e prob­le­mas de moti­vação. Os resul­ta­dos pio­raram. Em 2009 decidiu aban­donar o CAR e regres­sar a casa, em Per­os­inho. Rompeu com Sér­gio San­tos, o treinador da Fed­er­ação, com quem tinha ganho tudo, e começou a tra­bal­har com Paulo Colaço, um téc­nico do Porto.

Mas os resul­ta­dos desportivos não mel­ho­raram. A moti­vação para o treino tam­bém não. Ten­tou ter uma vida nor­mal, divertir-se, ter ami­gos e paixões, como qual­quer jovem, mas tam­bém isso não cor­reu bem.

Em Fevereiro deste ano anun­ciou o aban­dono da prática desportiva de alta-competição. Pouco depois foi inter­nada e não mais se ouviu falar dela.

***

Vanessa nasceu em 1985, um ano depois de o pai ter ganho a Volta a Por­tu­gal. Vences­lau estava no seu auge desportivo. Con­tin­uou a par­tic­i­par em muitas provas, incluindo a Volta, e a mul­her con­tin­uou a acompanhá-lo. Depois do casa­mento, Her­mí­nia deixara a sua terra, S. João de Ver, perto de Sta Maria da Feira, onde tra­bal­hava numa fábrica de rol­has, para viver em Per­os­inho, onde não tinha família nem con­hecia ninguém. Deixou de tra­bal­har e aborrecia-a ficar soz­inha em casa quando o marido ia para as provas, por isso seguia-o sem­pre que podia. Prin­ci­pal­mente na Volta a Por­tu­gal e na sua etapa mais famosa e mais ani­mada: a da Serra da Estrela. Bebé, na alcofa, Vanessa ia também.

Era uma festa. Her­mí­nia cos­tu­mava levar as irmãs, e os respec­tivos mari­dos, que inte­gravam a claque de Lau e dos irmãos António, José e Leonel, que tam­bém com­petiam na cor­rida. Os apoiantes ficavam todos acam­pa­dos, enquanto os corre­dores se insta­lavam num hotel. As mul­heres coz­in­havam canja e out­ros ali­men­tos para os atle­tas, os homens con­tribuíam de outra forma. Naquela época, era cos­tume (e per­mi­tido) que os ami­gos de cada corre­dor o aju­dassem no troço mais difí­cil da etapa, empurrando-o pela subida da Torre.

Formavam-se grandes gru­pos de “empurras”, que se assum­iam como rivais uns dos out­ros e se envolviam em colos­sais cenas de pan­cadaria.  “Nós ficá­va­mos doentes de emoção”, recorda Her­mí­nia, que ainda não tinha 30 anos.

Vences­lau tinha 40 quando Vanessa nasceu, 39 quando gan­hou a Volta pela primeira e última vez. É um luta­dor. Um homem seco e rijo, que olha o inter­locu­tor nos olhos e irra­dia jovi­al­i­dade e amar­gura ao mesmo tempo. Um homem simul­tane­a­mente andrógino e viril, agres­sivo e doce. “A der­rota não é de quem chega atrás. É de quem não se esforça para con­seguir”, diz. “Com­peti­mos sem­pre connosco próprios. Os adver­sários não são nos­sos inimi­gos. Sem adver­sários não con­seguiríamos ter sucesso”.

Nasceu muito pobre. Era o mais velho de sete irmãos, e aos 5 anos teve de começar a tra­bal­har, car­regando ces­tos de terra para as obras. Gan­hava 25 tostões por dia. Depois começou a levantar-se mais cedo, antes das seis da manhã, para aju­dar o padre a preparar a missa. Com isto jun­tava mais 25 tostões. Aos 6 anos entrou para a escola, que acu­mu­lou com os dois “empre­gos”, e ainda mais um, a par­tir dos 9 anos: tra­bal­har como trolha, no Porto, para onde ia todas as tardes a pé, 30 quilómet­ros ida e volta. O din­heiro que gan­hava entregava-o quase todo à mãe.

Com o pai, gostava de ir ver os ciclis­tas da Volta a Por­tu­gal a pas­sarem pelos Car­val­hos, e, aos 11 anos, tinha poupado din­heiro para com­prar a primeira bici­cleta, ao tio Custó­dio, que emi­grara para a Venezuela. Entrou numa cor­rida, no Porto, mas caiu, par­tiu a bici­cleta e teve de desi­s­tir. Con­tin­uou a ten­tar. Aos 20 anos, com um emprego das 7h30 da manhã às 8 da noite, con­seguiu par­tic­i­par pela primeira vez na Volta a Por­tu­gal. Ficou em último lugar.

Tra­bal­hou numa fábrica e depois numa ser­ral­haria, onde com­pen­sava, com horas de tra­balho noc­turno, as que gas­tava de dia com os treinos. Em 1966, com 21 anos, ficou em 32º na Volta. E con­tin­uou, até que em 1970 o Cen­tro de Med­i­c­ina Desportiva do Porto lhe detec­tou um sopro no coração e o con­siderou inca­paz para a prática desportiva.

Foi para França tra­bal­har na con­strução civil. Mas regres­sou no ano seguinte, para ten­tar outra vez a Volta. Submeteu-se a novos exames de várias jun­tas médi­cas, e só no próprio dia do iní­cio da prova con­seguiu a aprovação, no Hos­pi­tal de S. João do Porto. Cor­reu para Cam­panhã, apan­hou o com­boio e chegou a tempo de alin­har na par­tida. Esgo­tado e ser ter comido o dia todo, ficou em último na etapa. Chegaria ao fim em 11º lugar.

Con­tin­uou a con­cor­rer, sem nunca gan­har. Aos 35 anos começou a ser con­hecido pelo “velho Lau”. Ciclis­tas como Joaquim Agostinho e Marco Cha­gas fiz­eram na mesma época as suas car­reiras bril­hantes, deixando Vences­lau na sua som­bra. Mas ele esperou pacien­te­mente, e sobreviveu-lhes. Em 1984, aos 39 anos, o “velho Lau” ganha final­mente a Volta. “Deixem-me abraçar este momento”, disse ele aos jornalistas.

Em 1987 já era o ciclista mais velho do mundo em provas profis­sion­ais por eta­pas, mas pare­cia que a sua car­reira mal tinha começado. Em 1990, com 45 anos, caiu da bici­cleta, foi lev­ado de ambulân­cia, que teve um aci­dente, ferindo Vences­lau outra vez. Em 1991, com 46 anos, lá estava ele na sua 22ª Volta a Por­tu­gal. Ficou em 69º lugar e não con­cor­reu mais. Foi con­ven­cido a parar, con­tra a sua von­tade, sob a ameaça de ver can­ce­lada a sua licença desportiva.

***

Nessa altura Vanessa tinha 6 anos e já uma notória destreza física. O pai inscreveu-a na natação, no Sport­ing de Espinho, com o objec­tivo de lhe pro­por­cionar uma for­mação desportiva com­pleta. Aos 3 anos comprara-lhe a primeira bici­cleta, com rod­in­has, e aos 4 ela já usava para ir de casa para a ofic­ina, que fica a cerca de um quilómetro.

“Vamos fazer uma cor­rida?” desafi­ava ela. “Daqui até ali”. Cor­riam e Vences­lau tinha de a deixar gan­har, ou ela ficara incon­solável. Sem­pre foi assim. Sem­pre gos­tou de ganhar.

Fez a escola primária em Per­os­inho, mas depois, como na vila não havia secundário, foi para os Car­val­hos. Foi lá que começou a par­tic­i­par em provas esco­lares de atletismo. Com 9 anos, o pai levou-a a um pro­fes­sor de atletismo na Maia, que ficou sur­preen­dido com ela e a fez entrar em várias provas. Vanessa tomou-lhe o gosto. Ia ao Porto, a Braga, a Aveiro, cor­ria e ganhava.

Que­ria par­tic­i­par em tudo. Um dia fez uma prova de atletismo na Maia, de manhã. Mas que­ria tam­bém entrar numa de natação, num campe­onato em Aveiro, à tarde. Vences­lau levou-a de moto, ela com a sua mochila, ansiosa por gan­har mais uma competição.

Gostava de atletismo, emb­ora fizesse tam­bém ciclismo com o pai, e natação, que ele con­sid­er­ava uma boa activi­dade para a forma física. “É impor­tante para qual­quer atleta”, explica. “Eu sem­pre disse aos meus fil­hos: o mel­hor inves­ti­mento que vocês podem fazer é na vossa saúde. Por isso sem­pre quis que eles desde cedo prat­i­cas­sem várias modal­i­dades, não para que viessem a ser atle­tas de alta-competição, mas para que tivessem uma for­mação com­pleta. Porque eu dei uma boa for­mação aos meus fil­hos. Não andei a dormir”. Além do desporto, Vanessa fre­quen­tou a Escola de Música de Per­os­inho, a apren­der flauta trans­ver­sal. Vânia, a irmã mais nova, apren­deu violino.

Mais tarde, esta edu­cação mul­ti­fac­etada seria apon­tada como uma das causas do génio desportivo de Vanessa Fer­nan­des. Além, obvi­a­mente, dos fac­tores genéti­cos — as car­ac­terís­ti­cas físi­cas e, sobre­tudo, psi­cológ­i­cas her­dadas de Venceslau.

Quando Vanessa tinha 13 anos, apare­ceu lá na loja um amigo do pai, José Mariz, diri­gente do Bele­nenses, que desafiou Vences­lau a levar a filha a uma prova de tri­atlo, em Peniche. Vanessa nem sabia o que isso era. “Teatro? Ok, vamos lá fazer isso”.

Vences­lau arran­jou uma bici­cleta e, na véspera da prova, foram treinar. Na fúria de ultra­pas­sar o pai, Vanessa meteu a roda dianteira na vala de uma obras, caiu e ficou cheia de nódoas negras. Mas não quis desi­s­tir. Às 5 da manhã Vences­lau foi buscá-la à cama, e levou-a ao colo para o carro, a dormir. Chegaram a Peniche às 8.

Era uma prova nacional com 200 atle­tas, 750 met­ros de natação, 20 quilómet­ros de bici­cleta e 5 de cor­rida. A ondu­lação do mar estava tão forte, que Vences­lau chegou a pen­sar proibir a filha de entrar. Mas lá lhe expli­cou as regras e ela foi. No fim da prova de natação, ele viu sair da água três homens e depois uma rapariga. Vinha trans­fig­u­rada, nem a recon­heceu, pare­cia estrangeira. Mas era ela, Vanessa.

Mon­tou na bici­cleta e ele foi atrás na sua, que tinha escon­dida, porque era proibido acom­pan­har os atle­tas. Vanessa com­ple­tou tudo em 1º lugar, na sua cat­e­go­ria. Na geral ficou em 2º. Vences­lau com­preen­deu logo. “Se quis­eres ficar no tri­atlo, não perdes uma prova”, disse à filha. Não vejo adver­sários para ti”.

***

Vanessa ficou. Começou a par­tic­i­par em provas, a gan­har e a dar nas vis­tas. Aos 15 anos foi con­vi­dada pela Fed­er­ação de Tri­atlo a entrar para o Cen­tro de Alto Rendi­mento do Jamor. Inter­nada nas insta­lações espe­ci­ais anexas ao Está­dio Nacional, ela pode­ria dedicar-se inteira­mente ao treino, usufruindo da pista e piscina olímpica, e de uma equipa téc­nica de alto nível.

Her­mí­nia e Vences­lau vac­ila­ram. Achavam que ela era demasi­ado jovem. Mas Vanessa estava fasci­nada com a ideia. Pediu, chorou, e acabou por ir. Os pais impuseram algu­mas condições. As prin­ci­pais eram que con­tin­u­asse a fre­quen­tar a escola e as aulas de música. Foi-lhes garan­tido que sim.

Em Setem­bro de 2001 Vanessa estava a viver no CAR, matric­u­lada na Escola Secundária de Linda-a-Velha e treinada por Sér­gio San­tos, o direc­tor téc­nico nacional. Formou-se um grupo pequeno de atle­tas (três rapari­gas e qua­tro ou cinco rapazes), entre os quais Vanessa era a mais nova, e foi cri­ado um ambi­ente de tra­balho ideal.

O treino era intenso, con­cen­trado e bem con­duzido, e os resul­ta­dos não tar­daram a apare­cer. Vanessa gan­hava. Esforçava-se, cumpria, concentrava-se, e, onde quer que fosse, ganhava.

O pro­gresso foi veloz e espec­tac­u­lar, o que provo­cou uma eufo­ria e uma ver­tigem. “Em atle­tas muito jovens, a evolução é muito ráp­ida”, explica Sér­gio. “Os objec­tivos são atingi­dos rap­i­da­mente, o que gera um grande entusiasmo”.

Vanessa sen­tia que o seu tra­balho pro­duzia efeitos ime­di­ata­mente, e por­tanto dava o máx­imo. Nos primeiros anos teve bons resul­ta­dos, mas a par­tir de 2003 era a mel­hor. “Ela tinha uma aura de gan­hadora”, conta Maria Are­osa, atleta de tri­atlo que entrou para o CAR na mesma altura, emb­ora seja um ano mais velha. “Ela sabia sem­pre que ia gan­har. Chegava à prova e pen­sava assim: o primeiro lugar é meu, vocês dis­putam os out­ros. E com toda aquela força men­tal, as out­ras olhavam para ela e já tin­ham perdido”.

Vanessa era tão con­fi­ante, que não se deix­ava intim­i­dar por nada. Maria lembra-se de um dos primeiros campe­onatos inter­na­cionais em que par­tic­i­param as duas, em Lugo. Todas as out­ras atle­tas eram mais vel­has. “Está­va­mos cheias de medo, mas a Vanessa não. Disse logo: Isto é tudo uma por­caria, nós cheg­amos ali e gan­hamos aquilo tudo”.

Dois meses depois, na Ale­manha, foi ainda pior. Todos os con­cor­rentes tin­ham equipa­men­tos sofisti­ca­dos, de mar­cas exclu­si­vas, uma roupa para cor­rer, outra para o ciclismo… “Está­va­mos fasci­nadas e, mais uma vez, cheias de medo. A Vanessa declarou: Estas gajas têm a mania que andam muito, mas nós vamos dar-lhes uma coça”.

E depois com­petiu com tanta paixão que, ao pas­sar da bici­cleta para a cor­rida, se esque­ceu de calçar as sap­atil­has. Só reparou quando sen­tiu a aspereza do chão nos pés descalços. Ao vê-la chorar, Maria descalçou um dos seus ténis e atirou-lho. Ter­mi­naram a prova assim, com um sap­ato cada uma.

Em 2004, na Taça do Mundo, “a mais nova que lá estava era pelo menos 10 anos mais velha do que nós”. Mas Vanessa atrav­es­sou a meta em primeiro. “Como sabia ela que ia gan­har? Não sei como fazia. É mesmo maluca. Tem garra, é com­pet­i­tiva. Tem fome de gan­har. Ela é uma gan­hadora. Se não for no desporto, se se dedicar a outra coisa qual­quer, será sem­pre uma ganhadora”.

***

A vida no CAR era obses­siva. Treinava-se desde as 6 da manhã até às 8 da noite, todos os dias. Não havia mais nada. Tudo era orga­ni­zado em função dos treinos, dos cinco treinos diários. Todos os atle­tas dormiam em quar­tos dup­los, excepto Vanessa, que tinha um só para si. Mas era um cubículo claus­trofóbico. Depois do jan­tar, Vanessa ia ter com os cole­gas, que se reu­niam no quarto de um deles, para con­ver­sar. Mas os temas não eram muito vari­a­dos. “Falá­va­mos sobre tri­atlo”, conta o tri­atleta Bruno Pais, que esteve inter­nado no CAR entre 2000 e 2007, e hoje, aos 29 anos, vive na sua própria casa, com a mul­her e a filha, perto do Cen­tro. “O que fazíamos era comer, dormir e treinar todos os dias. Não íamos ao cin­ema nem sair à noite. Por isso os nos­sos temas de con­versa eram os treinos, os tem­pos que fize­mos, as reacções do treinador”.

Aos fins-de-semana, alguns iam a casa, mas lev­avam um pro­grama de treino rígido para cumprir. Na alta-competição não há dias de folga. “Desde que foi para Lis­boa, ela ficou difer­ente”, diz Vânia, a irmã de Vanessa. “Não que­ria saber de nada além daquilo. Não se inter­es­sava por nada, não que­ria sair à noite, não ouvia música”.

Por viverem longe, Vanessa e Bruno (que é do Fundão), ficavam muitas vezes no Cen­tro. Vanessa pas­sava alguns fins-de-semana em casa de Sér­gio, no Alen­tejo. O treinador con­sid­er­ava que era a mel­hor opção, porque ir a Per­os­inho cansava-a e perturbava-a.

Sér­gio San­tos tinha fama de ser um treinador com­pe­tente e rig­oroso, mas tam­bém frio e implacável. Não per­doava qual­quer pre­var­i­cação ou que­bra de dis­ci­plina. “Se chegava atrasado ao treino, fazia mais mil met­ros de natação, de cas­tigo”, conta Bruno. Ou se Vanessa se deix­ava dormir e não chegava à hora com­bi­nada de par­tida da car­rinha para algum local especí­fico, Sér­gio não esper­ava e fazia-a ir a cor­rer até ao local do treino.

O treinador esta­b­ele­cia uma relação intensa com os atle­tas, que simul­tane­a­mente o admi­ravam e temiam. Quando ele não ficava sat­is­feito com uma per­for­mance, nem pre­cisava de falar: os seus olhos diziam tudo. Vanessa tinha medo desse olhar reprovador de Sérgio.

“Os treinos são muitos vio­len­tos, esta­mos sem­pre nos lim­ites da resistên­cia”, diz Bruno. Vanessa queixava-se mas não deix­ava de cumprir. “Estou toda rota”, repetia ela. Mas treinava, e chegava às provas e gan­hava. “Então estavas toda rota?” brin­cavam os colegas.

Sér­gio esta­b­ele­ceu objec­tivos ambi­ciosos. Com Vanessa, que­ria gan­har tudo. Em 2003 apon­tou logo os Jogos Olímpi­cos de 2004 como meta, e depois, como a atleta tivesse obtido em Ate­nas  o 8º lugar, ainda com 17 anos, começou a tra­bal­har para Pequim em 2008.

O regime de treino era ade­quado a este fre­n­esim estratégico. Multiplicavam-se as horas de tra­balho efec­tivo, e os tem­pos livres e de des­canso eram mon­i­tor­iza­dos ao por­menor. A ali­men­tação tam­bém, ape­sar de não haver no Cen­tro um nutri­cionista nem um psicól­ogo. Às horas das refeições os treinadores obser­vavam os pratos de cada um e diva­gavam perigosa­mente sobre a cor­re­lação entre gra­mas de peso cor­po­ral e segun­dos nos tem­pos das provas.

“Se perderes um quilo cor­res mais rápido 10 segun­dos por quilómetro”, dizia o treinador, segundo Maria Are­osa. “Se a difer­ença entre ser 5º ou 1º na Taça do Mundo for de 20 segun­dos, a dis­tân­cia entre ter uma medalha ou não é de dois quilos”.

Vanessa ia cada vez menos a casa, e quando ia lev­ava uma tenda espe­cial em cujo inte­rior era cri­ada uma atmos­fera arti­fi­cial e rar­efeita para sim­u­lar os treinos em alti­tude. Para exas­per­ação de Vences­lau, a tenda era mon­tada no quarto e Vanessa dormia lá dentro.

O pai de Vanessa não con­cor­dava com nada disto. “Um atleta só a par­tir dos 25 anos é que se explora total­mente. Eu só aos 35 é que estava no auge. Gan­hei a Volta aos 39”. O “velho Lau” não andou na Uni­ver­si­dade, nem fez um mestrado em Treino de Alto Rendi­mento na Área do Tri­atlo, como Sér­gio. Tudo o que sabe, apren­deu à sua custa. No iní­cio da car­reira, comia bife com batatas fritas ao pequeno-almoço, para ter ener­gia para as provas. Com o tempo, num processo de tentativa-erro, foi apren­dendo a escol­her uma dieta ade­quada. E que, por exem­plo, não era prej­u­di­cial ter relações sex­u­ais na sem­ana ante­rior às provas.

Tam­bém quando às idades ade­quadas a cada tipo de treino ele foi tirando as suas con­clusões. “Sem­pre vi isto: os ciclis­tas que aos 15 anos já gan­havam, aos 20 já não que­riam saber da bicicleta”.

Não havia forma de Sér­gio e Vences­lau se enten­derem. O con­flito foi real, por vezes osten­sivo, e durou os nove anos que Vanessa esteve no CAR. Depois de um fim-de-semana em que Vanessa vinha a casa, Sér­gio tele­fon­ava ao pai: “O que é que você lhe faz aí, que ela chega cá abaixo e parece uma velha a cor­rer?” Vences­lau respon­dia: “Quando ela vem é para des­cansar. Um atleta pre­cisa de retem­perar forças”.

Noutra ocasião, depois de Vences­lau ter feito um comen­tário na tele­visão sobre o desem­penho da filha numa prova, foi chamado a Lis­boa para, numa reunião, ser exor­tado a calar-se, para não prej­u­dicar a car­reira de Vanessa.

Esta sentia-se divi­dida e sofria com o con­flito entre o treinador e o pai. Por isso pas­sou a optar por não vir a casa, e falar o menos pos­sível com a família. Prefe­ria pas­sar o fim-de-semana em casa de Sér­gio, o que ofendia Vences­lau e Her­mí­nia. “Eles estavam a espremê-la até à última. A aproveitar-se dela”, diz Lau. “E convenciam-na a não me dar ouvidos”.

Segundo Vences­lau Fer­nan­des, a hos­til­i­dade começou bem cedo, mal ele e a mul­her se aperce­beram de que a filha não ia à escola. “Ela não pre­cisa. Não tem tempo”, ter-lhe-ão dito da Fed­er­ação. O facto é que Vanessa nunca fre­quen­tou as aulas. De iní­cio, a Fed­er­ação justificava-lhe as fal­tas. Depois deixaram-na reprovar. Não chegou a fazer o 10º ano.

No entanto, os reg­u­la­men­tos do CAR ref­erem como objec­tivo a “for­mação plena do cidadão” e “pro­por­cionar condições para o estudo”, e esta­b­ele­cem como regra que se um atleta não tiver aproveita­mento esco­lar dois anos segui­dos será expulso do CAR. Por “aproveita­mento”, explici­tam ainda os doc­u­men­tos nor­ma­tivos do Cen­tro, entende-se pelo menos 50 por cento dos crédi­tos no Ensino Supe­rior e o tran­si­tar de ano no caso do Secundário. Ora Vanessa não tran­si­tou, durante nove anos seguidos.

“Ela não chum­bou: ela aban­do­nou”, começa por explicar José Luís Fer­reira, pres­i­dente da Fed­er­ação de Tri­atlo. “Bom, chum­bou por fal­tas”. Não ia às aulas, por causa do treino. Mas isso deveu-se, segundo o respon­sável da Fed­er­ação, “à falta de apetên­cia da Vanessa pelo estudo. Ela já não ia às aulas antes de vir para cá. Alertei os pais para a situ­ação e eles respon­deram que não fazia mal. Assumi­ram o ónus do problema”.

Vences­lau e Her­mí­nia garan­tem que Vanessa sem­pre foi à escola e foi boa aluna. José Luís, por seu lado, lem­bra que todos os out­ros atle­tas do CAR con­tin­uaram os estu­dos, excepto Vanessa e Bruno. “A Vanessa foi difer­ente, por respon­s­abil­i­dade dela”, aponta. E dá exem­p­los de vários atle­tas de Alto rendi­mento que fre­quen­tam ou con­cluíram cur­sos supe­ri­ores. É o que acon­tece com a sua própria filha. “Já o meu filho mais novo não gosta nem quer estu­dar, mas eu obrigo-o”.

No caso de Vanessa foi con­sid­er­ado prefer­ível aban­donar a escola. “Tinha pouca apetên­cia para estu­dar. O que lhe restava era o tri­atlo. Optou por fazer car­reira no tri­atlo”. E a Fed­er­ação apoiou-a nessa decisão pes­soal e madura, fazendo tábua rasa das suas próprias regras.

***

É con­sen­sual entre os cole­gas e treinadores que Vanessa sem­pre teve difi­cul­dade em tomar decisões de forma autónoma. “Ela é o tipo de atleta que pre­cisa de alguém sem­pre ao pé, para incen­ti­var”, diz Bruno Pais. “Não é muito autónoma. Para fazer os seus treinos pre­cisa  do treinador perto, a con­tro­lar tudo”.

Maria Are­osa recorda um dia em que, em Ate­nas, con­hece­ram um treinador espan­hol muito famoso, que andava sem­pre nas capas das revis­tas. Ficaram ambas embeve­ci­das, mas foi Maria quem foi ter com ele, pedindo-lhe para a treinar. Vanessa ficou estar­recida. “Ela nunca seria capaz de tomar aquela ini­cia­tiva. Pre­cisava de se sen­tir segura”. Nunca faria nada con­tra a von­tade dos seus treinadores.

Maria fazia provas fora dos cir­cuitos ofi­ci­ais, em vários países, só pela aven­tura. Par­ticipou numa no Méx­ico e depois ficou lá de férias. Uma vez, par­tiu de carro, com o namorado, e ia par­tic­i­pando em provas, em vários países, para gan­har din­heiro para a viagem. Enquanto ficasse nos primeiros lugares, con­tin­uar­iam. Se perdesse teriam de regressar.

Vanessa, diz Maria, ficava fasci­nada com estas ini­cia­ti­vas. Mas nunca seria capaz de as tomar. Era demasi­ado depen­dente. “Fazia tudo o que lhe man­davam, e gan­hava sem­pre. Por isso pen­sava que estava no cam­inho certo, e con­tin­u­ava a obe­de­cer. Ela con­fi­ava. Nos pais, nos treinadores, desde os 16 anos. E como tinha êxito, con­tin­u­ava a con­fiar”. Mas isso, con­sid­era a amiga, “é con­se­quên­cia da sua edu­cação desportiva. Sem­pre foi assim, já com o pai”.

Sér­gio San­tos não des­mente que Vanessa é uma atleta pouco inde­pen­dente. “Ela pre­cisa de um treinador sem­pre ao lado. Mas não é para a picar. A função do treinador era fazer com ela se con­tro­lasse, andasse mais devagar”.

Sér­gio, que em Junho do ano pas­sado deixou a Fed­er­ação e o CAR do Jamor, é agora téc­nico do Cen­tro de Preparação Olímpica de Rio Maior, que per­tence a uma empresa munic­i­pal, a DESMOR. Atle­tas de difer­entes países vêm para aqui de propósito para tra­bal­har com ele.

“Eu uso 6 veloci­dades difer­entes”, diz ele aos nadadores antes de mer­gul­harem na piscina. “Cada um sabe a veloci­dade a que tem de nadar, de acordo com o que está escrito no quadro”. Para um grupo da selecção olímpica brasileira, que acaba de chegar, explica: “…a 3 é a veloci­dade para dis­tân­cias lon­gas. A 4 e a 5… A 6 é a veloci­dade máx­ima, para dis­tân­cias muito cur­tas, da ordem dos 25 met­ros”. Os atle­tas desa­tam a fazer pisci­nas e Sér­gio vai-os infor­mando, em por­tuguês ou inglês, dos tem­pos que fiz­eram. “O impor­tante não é dar o máx­imo. É cumprir os tem­pos da zona 4”.

Este tipo de con­trolo não era fácil com Vanessa, porque ela que­ria sem­pre dar o máx­imo. “Ao con­trário dos desportos colec­tivos, em que não se nota tanto a difer­ença, nestes desportos indi­vid­u­ais há uma relação muito directa entre tra­balho e resul­tado desportivo”. O atleta sabe que tudo depende dele, e, se está muito empen­hado nos objec­tivos, pode ter tendên­cia para igno­rar os seus próprios lim­ites. Cabe ao treinador não o permitir.

“Quando íamos cor­rer, ela começava logo a dar o máx­imo, e não abran­dava”, conta Maria. “Ninguém aguen­tava. Eu dizia-lhe: ‘Sem­pre à morte, Vanesa? É pre­ciso cor­rer sem­pre à morte?’ Mas ela con­tin­u­ava. Sem­pre ali, no lim­ite das forças. ‘Então Vanessa? Sem­pre à morte, sem­pre à morte’”.

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Na modal­i­dade do tri­atlo, Vanessa Fer­nan­des é uma das mel­hores atle­tas do mundo, de todos os tem­pos. Talvez mesmo a mel­hor. “Ela tem qual­i­dades de grande resistên­cia”, diz Sér­gio. “É exce­lente do ponto de vista fisi­ológico e psi­cológico. E tem com­pet­i­tivi­dade muito grande. Há atle­tas que nunca chegam a fazer, em com­petição, tem­pos tão bons como nos treinos. Ela não é assim. Quando se aprox­ima das com­petições, mel­hora. Trans­forma o ner­vo­sismo em prestação. Tem um per­fil de ataque”.

Sér­gio garante que sabe dis­tin­guir os atle­tas à primeira vista. “À par­tida, alin­ham no pon­tão umas 70 atle­tas. São todas sen­sivel­mente da mesma altura, entre 1m60 a 1m75. Mas ali já se vê. Há umas que pare­cem ter 2 met­ros. Vê-se pelo olhar, pela forma como alin­ham, como se estim­u­lam, dando pal­madas nas per­nas. Há as que sabem que vão gan­har. Vanessa é assim”.

Bruno lembra-se da “garra” e da “von­tade de tra­bal­har” de Vanessa. “Ela treinava com os rapazes, porque o anda­mento dela era equiv­a­lente ao nosso. Ela sem­pre deu o seu mel­hor. E achava nat­ural gan­har. Con­sid­er­ava uma der­rota ficar em segundo”.

Para Maria, ela “é uma per­fec­cionista. Procu­rava a per­feição. Por isso não fazia mais nada. Tem uma força imensa. É uma refer­ên­cia para mim”. Paulo Colaço, o actual treinador, vê em Vanessa o “mod­elo per­feito” de atleta, que con­juga “boas car­ac­terís­ti­cas fisi­ológ­i­cas, derivadas do património genético”, com traços psi­cológi­cos exem­plares. “Ela é per­sis­tente, focal­iza os objec­tivos”, e pos­sui uma imensa “capaci­dade de super­ação. É uma caix­inha de surpresas”.

Licínio Pimentel, corre­dor de estrada de fundo e meio-fundo, que se treinou com Vanessa quando ela regres­sou ao Porto, classifica-a como “uma máquina de guerra”. Não se cansa, tem uma capaci­dade de sofri­mento fora do nor­mal e aquela ati­tude incon­fundível, “de guer­reira”, a cor­rer a a andar de bicicleta.

Paulo, que afirma recon­hecer cada um dos seus atle­tas de olhos fecha­dos, só pelo som dos pés a bater no chão, diz que Vanessa “tem um con­tacto suave e elás­tico com o solo”. Mas é a sua pos­tura na bici­cleta que a torna iden­ti­ficável entre mil­hares. “Na bici­cleta, ela transforma-se, é outra pes­soa. Não aquela rapariga frágil. Enrola os ombros para a frente, fica assim cor­cunda, naquela posição nada fem­i­nina”, descreve Licínio com admi­ração. “Geral­mente as mul­heres não andam assim de bicicleta”.

***
Com estas car­ac­terís­ti­cas, em 2006, aos 21 anos, Vanessa gan­hara mais medal­has do que qual­quer outra atleta da sua idade. Quando chegava a uma prova, todos esper­avam que gan­hasse, e isso fez nascer nela um sen­tido de respon­s­abil­i­dade. Não podia perder. E não per­dia. Mas a pressão foi crescendo. Tinha à sua volta os jor­nal­is­tas, os patroci­nadores, os treinadores, a família, o país inteiro. Ela não podia decep­cionar. Era pre­ciso fazer mais. Havia o Campe­onato do Mundo, os Jogos Olímpi­cos. Os objec­tivos eram cada vez mais ambi­ciosos, desmesura­dos. Era pre­ciso ser a mel­hor do mundo.

Vanessa superava-se. Estava cada vez mais em forma, cada vez mais ráp­ida, cada vez mais magra. E adoe­ceu. “Eles pre­cisam das medal­has, por isso não recon­hecem que uma pes­soa está doente”, diz Maria Are­osa. “Ela era a gal­inha dos ovos de ouro”.

Pub­li­ca­mente, não recon­hece­ram. Mas, segundo o pres­i­dente da Fed­er­ação, detec­taram a doença, em 2006. Con­tac­taram o médico do Ben­fica, e “Vanessa começou a ser tratada com as estru­turas médi­cas da Fed­er­ação”, diz José Luís Fer­reira. “Foi assis­tida por uma equipa médica. Mas foi um fra­casso”. Depois, “ela quis um psiquia­tra. Mas tam­bém não resultou”.

Man­tiveram o prob­lema em seg­redo, e Vanessa con­tin­uou a par­tic­i­par em todas as provas, como se nada se pas­sasse. Nesse mesmo ano de 2006 gan­hou 11 com­petições, entre as quais seis Taças do Mundo. Em 2007 venceu a clas­si­fi­cação global da taça do Mundo, em Ham­burgo. Nunca tra­bal­hara a um ritmo tão intenso. “Vanessa com­petiu em Pequim e nas provas ante­ri­ores já doente”, diz o pres­i­dente da Federação.

“Segundo os médi­cos, a doença não foi provo­cada pela prática desportiva, mas era poten­ci­ada por ela”, admite José Luís Fer­reira. E no entanto não houve qual­quer abran­da­mento dessa prática. Vanessa começou a deixar de ter von­tade de com­pe­tir, mas não a deixaram descansar.

“A doença era evi­den­ci­ada por fac­tores de pressão”, diz o pres­i­dente. A pressão a que Vanessa estava cada vez mais sub­metida, pelas provas cada vez mais impor­tantes a que con­cor­ria. Pelos media, pelos patroci­nadores, pelos fãs, e pela obri­gação de ganhar.

“Nós entrá­mos no tri­atlo porque éramos boas, e alguém nos man­dou para ali. Não foi pro­pri­a­mente uma opção”, diz Maria, que em 2004 decidiu aban­donar o desporto, durante 4 anos. “Eles sem­pre acharam que ela ia aguen­tar, porque ela gan­hava sem­pre”. Mas acres­centa: “Chega uma altura em que é mais fácil con­tin­uar do que desistir”.

Vanessa con­tin­uou. “Ela é única, é de outro mundo”, diz José Luís. “Não con­heço ninguém com a mesma capaci­dade de inverter uma situ­ação, em horas. Em 2007 ela estava de gatas. Estive­mos quase para can­ce­lar a sua par­tic­i­pação. Mas depois…”

***

2008 era a grande data. Uma medalha de ouro em Pequim era o sonho de todos, desde o iní­cio. Incluindo o de Vanessa, que, desde os nove anos, dormia com um póster de Rosa Mota no quarto. Agora, já não tinha von­tade de lutar por esse sonho, mas fazia-o em nome dos out­ros, dos portugueses.

Nos meses ante­ri­ores aos Jogos, sucederam-se os desaires. No Campe­onato do Mundo, em Van­cou­ver, ficou em 10º, ale­gada­mente por causa da água fria, e na etapa de Ham­burgo desis­tiu, dev­ido a uma suposta intox­i­cação ali­men­tar, depois de tam­bém ter desis­tido em Pon­teve­dra, por risco de hipotermia.

Os diri­gentes da Fed­er­ação sabiam que Vanessa estava pior, que o seu prob­lema se agravava, e, em Pequim, tomaram medi­das. Não a insta­laram na aldeia olímpica, como seria nor­mal, mas numa vivenda que arren­daram em Chang­ping, a 30 quilómet­ros de Pequim e a 500 met­ros do local da prova. Ficou ali iso­lada de toda a con­fusão, na com­pan­hia dos pais, con­vi­da­dos pela Fed­er­ação. “Ao tirá-la da aldeia olímpica, livramo-la de toda a pressão”, explica José Luís. “Para criar as mel­hores condições, e para que ela pudesse mostrar todo o seu potencial”.

Havia grande expec­ta­tiva em relação a um certo número de atle­tas por­tugue­ses. Mas os primeiros dias da sua par­tic­i­pação foram decep­cio­nantes. Não houve medal­has. Telma Mon­teiro e Jes­sica Augusto não gan­haram. O lançador de peso Marco Fortes disse que “de manhã só é bom é na cam­inha”, para jus­ti­ficar o seu 38º lugar. A última esper­ança era Vanessa Fernandes.

“Depois dos jogos, não sei o que vai ser a minha vida”, disse ela à mãe, antes da prova.

“Já fizeste o que muito atle­tas nunca con­seguiram, não tens de provar mais nada a ninguém”, respon­deu Her­mí­nia. Sabia que a filha tinha de parar. Mas não tinha cor­agem para lho dizer clara­mente. Ninguém tinha. “Como podia dizer alguma coisa?” con­fessa Vânia. “Se depois ela fal­hasse eu seria con­sid­er­ada responsável”.

Vences­lau sen­tia o mesmo. Quem era ele, para prej­u­dicar uma car­reira daque­las? “Tu és uma medalha olímpica. Não posso ser eu a treinar-te. Porque se depois os resul­ta­dos não apare­cerem dizem que a culpa foi do pai”.

Vanessa despediu-se dos pais e par­tiu para a prova. “Que o Espírito santo te ajude a con­seguires o que queres”, disse Her­mí­nia. “Ele vai-me aju­dar”, respon­deu Vanessa, “mas eu tam­bém tenho de querer”. E lá foi, magrinha, os pés a voar sobre o solo num con­tacto suave e elás­tico, cor­cunda em cima da bici­cleta, com o peso de um país inteiro sobre os ombros enro­la­dos para a frente.

“É prata, mas para mim vale ouro”, disse à mãe quando voltou. E à irmã con­fes­sou: “Eu gan­hei esta medalha mas não mere­cia. Havia out­ros que a mere­ciam mais”.

***
Depois dos Jogos, Vanessa perdeu com­ple­ta­mente a von­tade de treinar e com­pe­tir. Nunca mais gan­hou nen­huma prova. Nunca mais ter­mi­nou nen­huma, aliás. Con­fes­sou mais tarde que fez treinos de duas horas de bici­cleta a chorar do princí­pio ao fim. Cor­rer, nadar, andar de bici­cleta tornaram-se num sacrifício.

Mas a frus­tração pelos insuces­sos levava-a a querer con­tin­uar. Sér­gio diz que ten­tou convencê-la a não ir a cer­tas provas, mas ela insis­tia. O treinador quis tam­bém que ela com­prasse uma casa em Lis­boa, para sair do CAR, mas isso não foi bem visto pela família.

Em 2009, Vanesa acabou por decidir regres­sar ao Norte. Depediu-se do Cen­tro do Jamor e de Sér­gio San­tos. Voltou a casa, para tra­bal­har com o pai. Vences­lau con­tac­tou Paulo Colaço, pro­fes­sor na Escola Supe­rior de Desporto, de quem tinha boas referências.

“Se um atleta tem como objec­tivo ape­nas ren­der a curto prazo, eu não aceito tra­bal­har com ele”, diz Paulo, que con­dena a filosofia de treino apli­cada pela antiga equipa téc­nica de Vanessa. “Depois dos Jogos, ela devia ter parado. É pre­ciso desen­har cic­los de treino, de 4 anos. Provo­car abaix­a­m­en­tos de forma, proposi­tada­mente. Porque se o abran­da­mento não for provo­cado, ele sur­girá nat­u­ral­mente. Há atle­tas que deix­amos de ver, durante um período”. Regres­sam à forma máx­ima e à rib­alta pouco antes das provas que decidi­ram dis­putar. “Há até mul­heres que deci­dem inter­romper a car­reira desportiva para ter um filho, e depois regressam”.

Além desta abor­dagem, Paulo Colaço atribui ainda grande importân­cia ao fac­tor humano no treino dos atle­tas. Não basta preocupar-se com o treino físico. O treinador deve tam­bém ter sob con­trolo os fac­tores famil­iares, soci­ais e psi­cológi­cos do atleta.

Quando ini­ciou o tra­balho com Vanessa, Paulo desen­hou uma árvore, que vai com­ple­tando, cujos ramos eram as várias ver­tentes do seu prob­lema. Teve reuniões com os pais, com ami­gos. Acha que nen­huma fac­eta da vida de Vanessa lhe deve ser alheia.

O método pare­cia estar a resul­tar. Vanessa ainda obteve um resul­tado sat­is­fatório no campe­onato de Madrid. Mas era uma ilusão. Vanessa começou a fal­tar aos treinos. Inven­tava des­cul­pas. Dizia a Paulo que estava com o pai, e a este que estava com Paulo. Na ver­dade, saía de carro de manhã e vagueava soz­inha até à noite.

Para ten­tar divertir-se, começou a sair à noite, com a irmã. Mas Vânia perce­bia que ela não estava bem. Não tinha ami­gos. Cor­tou com os de Lis­boa, e não voltou a con­tac­tar os anti­gos, de Per­os­inho. “Ela que­ria sair comigo e os meus ami­gos, para dis­farçar o mal-estar. Que­ria distrai-se, mas estava com­ple­ta­mente desorientada”.

Vânia tornou-se sua con­fi­dente. “Não quero mais o desporto”, dizia-lhe Vanessa, a chorar. “Eu já não ando a fazer isto por nada nem por ninguém. Só quero ser uma pes­soa nor­mal, ter um emprego normal”.

As duas, com os ami­gos de Vânia, iam aos bares de Santa Maria da Feira, à dis­coteca 4Ever Club ou ao Biba la Noche. Vanessa exager­ava no álcool. Bebia de forma incon­tro­lada, mas não se diver­tia. Numa dessas noites, con­heceu H. Apaixonou-se e pas­sou a namorar com ele. Nunca mais saiu com a irmã. Pas­sava os dias e as noites com o namorado, numa relação que Vânia e o resto da família con­sid­er­avam obses­siva e pouco saudável.

Vanessa e H. decidi­ram associar-se para com­prar o bar onde ele tra­bal­hava. Depois a relação deteriorou-se e o negó­cio tornou-se um prob­lema para Vences­lau resolver.

No iní­cio deste ano, após reuniões de Paulo Colaço com a família e respon­sáveis da Fed­er­ação de Tri­atlo, Vanessa anun­ciou o afas­ta­mento da vida desportiva. Decidiu tratar o seu prob­lema de saúde e a fed­er­ação apoiou-a. Foi encon­trado um psiquia­tra, depois outro. A insti­tu­ição onde se encon­tra actual­mente é a quinta ten­ta­tiva de solução, segundo José Luís Fer­reira. Reuniu-se uma equipa mul­ti­dis­pli­nar de 20 pes­soas, paga com um fundo do Comité Olímpico. O din­heiro da bolsa que estava afec­tado à preparação de Vanessa para os Jogos Olímpi­cos foi, com o acordo do Secretário de Estado da Juven­tude e Desporto, con­ver­tido num fundo de recu­per­ação da atleta, no valor de 47 391 euros para este ano de 2011.

“O psicól­ogo respon­sável assegurou-me que a doença é genética, e que a Fed­er­ação não tem por­tanto qual­quer respon­s­abil­i­dade”, diz José Luis Fer­reira. “Cul­pa­dos somos todos: ami­gos, família, Fed­er­ação, Comu­ni­cação Social”. Mas “trata-se de o paga­mento de uma dívida. O país deve muito a Vanessa e tem a obri­gação moral de a ajudar.

Vanessa está a treinar para os Jogos Olímpi­cos, mas isso não é condição para que ajuda con­tinue, asse­gura José Luís. “Não será pos­sível recu­perar a atleta sem recu­perar a pes­soa, mas pode-se recu­perar a pes­soa, sem a atleta”.

Neste momento, Vanessa está iso­lada, sub­metida à autori­dade, sem vida própria, depen­dente, a tra­bal­har para mais uma medalha. “Sem­pre foi assim”, lem­bra Maria. “Sem­pre a iso­laram, sem­pre viveu numa bolha. Per­gun­tá­va­mos pela Vanessa e diziam que estava a descansar”.»

FONTE: Público